Nascida e criada na cidade de Belo Horizonte – MG, Suellen Carey vem de uma família humilde, mas bem estruturada. Ela e sua irmã Carla Roberta de Assunção Miranda nasceram meninos e hoje são mulheres trans, seus pais Eliane e Carlos Alberto se orgulham, aceitam e respeitam as filhas. Quem vê Suellen presentemente não imagina o quão desafiador foi toda sua trajetória.
Durante uma conversa sobre lembranças de sua infância, Suellen nos contou: “tenho um trauma de infância muito grande, quando eu tinha 06 anos estava brincando do lado de fora de casa com um primo e dois outros meninos que moravam perto de minha casa, estávamos brincando com um jogo, após o término da brincadeira um dos meninos foi até sua casa, pegou fósforos e álcool, quando ele voltou já voltou me xingando”, naquele momento não entendi absolutamente nada, pois há minutos atrás estava tudo bem e devida minha ingenuidade de criança, eu não sabia o que estava acontecendo. De repente ele jogou álcool em mim e atirou os fósforos, minha reação foi pedir socorro para os vizinhos, um dos vizinhos arrancou minha roupa para amenizar o fogo, tive uma queimadura de 3º grau. Eu era apenas uma criança,jamais imaginei que passaria por isso com apenas 06 anos de idade”.
Vale lembrar que nenhuma criança nasce homofóbica e preconceituosa, a atitude da criança contra Suellen ficou nítida que era por influência de algum adulto, ou seja, por algum tipo de conversa inapropriada para a idade ou, por exemplo, dentro da própria casa. As crianças mal conseguem distinguir o que é certo e errado e já obtém esse tipo de influência totalmente descabida na própria casa. A homofobia é ensinada e cobrada pela sociedade, se você não seguir os padrões que a sociedade impõe, você não é bem-visto, e foi isso que aconteceu com a criança que atacou Suellen, ele aprendeu ser assim por influência das pessoas que convivem com ele.
A pré-adolescência de Suellen foi extremamente complicada, quando ela tinha 10 anos teve que lidar com a separação dos seus pais devido a excesso de desentendimentos.
A jovem frequentou a escola em sua cidade natal até o segundo ano do ensino médio, com apenas 17 anos foi vítima de ‘bullying’ na escola devido a sua identidade de gênero. O cenário da infância voltou a se repetir, os colegas de classe de Suellen começaram a xingá-la. Certa vez, eles se reuniram e esperaram ela na porta do colégio, só foi Suellen sair que começaram a agredi-la como se ela fosse alguma criminosa, havia outras pessoas no local que nem sequer interviram a agressão de forma injusta que ela estava sofrendo, depois desse acontecimento, Suellen nunca mais voltou para a escola, pois se sentia amedrontada, considerando que já tinha começado a tomar hormônios e já estava começando parecer com uma menina e eles não aceitavam.
Antes de completar 18 anos de idade, Suellen costumava ajudar sua mãe em seu trabalho, ao completar 18 anos Suellen e Carla decidiram sair de casa e irem em busca de independência. Foi nesse mesmo período que Suellen enfrentou grandes problemas em sua vida, foi espancada pela polícia, humilhada pelas pessoas pelo simples fato de ser quem ela é, enquanto ela conseguiu tolerar, ela tolerou, mas chegou um momento em que as ameaças de morte eram constantes, e sua vida estava em perigo constante, foi aí que ela resolveu renunciar a toda sua vida no Brasil e resolveu fugir.
“Em 2015 fugi do Brasil, sem saber que eu tinha direito a qualquer tipo de ajuda ou proteção no exterior, cheguei a pensar que estava sozinha. Meu primeiro destino foi a Alemanha, passei pela França e Espanha, em 2017 fui para o Reino Unido como visitante, em seguida saí do Reino Unido, mas decidi voltar novamente. A última vez que voltei ao Reino Unido foi em 29 de agosto de 2019″, disse Suellen.
Desde muito jovem, Suellen percebeu que diferia dos outros meninos, mesmo vestida de menino, suas atitudes e comportamentos eram de jeito afeminado, devido sua identidade de gênero.” Aos 12 anos comecei a usar maquiagem e deixar meu cabelo crescer, isso foi um grande fator para as pessoas começarem a falar mal de mim, era cruel a forma que eu era tratada na escola, tão cruel a ponto de eu não conseguir terminar meus estudos, estava no meu limite.”
Em abril de 2008 Suellen foi espancada pela polícia, esse fato aconteceu diante de um show, no qual era o momento de lazer da vítima, normalmente todos ficam bem a vontade em seus momentos de curtição, o policial insultou Suellen.
“Eu jamais pensei ser insultada pela polícia, eu já era insultada e julgada por tantas pessoas, mas pela polícia para mim, foi demais, eles são os responsáveis por apaziguar situações conflitantes e trazer proteção para nós cidadãos, ao ficar espantada com ato do policial questionei ele o porquê dele estar referindo a mim daquela forma, meu questionamento foi motivo suficiente para ele me prender, se sentiu ofendido por uma única pergunta que eu o fiz. Com toda certeza esse foi um dos piores dias da minha vida, eu pensei que poderia estar celebrando como qualquer outra pessoa, eu acreditava que eu poderia ser uma mulher trans livre, já que eu já tinha seios, cabelos longos e me comportava como uma mulher, mas naquele dia a opressão policial que eu estava enganada e que não poderia ser livre como eu queria ser. Naquela noite, fui espancada, humilhada, rasparam meu cabelo e me prenderam por três dias, me colocaram em uma cela com vários homens, minha sorte é que os detentos que lá estavam eram mais humanos que os policiais e não me fizeram mal” desabafou Suellen.
Suellen não tinha paz nem para ter um veículo próprio, pois sempre que ela saía de perto do seu carro ele era danificado, sempre quebravam as janelas, arranhavam, amassavam, entre outras coisas, esse era um dos sinais que as pessoas deixavam claro que não as queriam por perto. “Diante de tudo isso que acontecia com meu carro, resolvi mudar de bairro, mas as ameaças continuaram via Facebook e via mensagens de texto, eles queriam nos ver longe da cidade. No ano de 2012 meu carro foi alvejado por 20 tiros, tentei denunciar a polícia, mas as investigações não foram precisas, virou mais um caso sem solução, na época foi até noticiado em uma emissora de TV, na Record”, relatou.
Em meados de 2014 duas mulheres trans próximas faleceram, e elas também eram ameaçadas constantemente, assim como Suellen, diante disso Suellen não viu outra solução a não ser ir embora do Brasil. “No meio de tanta agressão da sociedade, da polícia, resolvi ir embora e decidi que não voltaria para o Brasil tão cedo, pois estava cansada de tanta humilhação e repressão de todos.” Desabafou Suellen
Atualmente Suellen tem sua estabilidade em Londres, é super bem sucedida, estuda e vive em paz, pode ser quem ela é sem ter medo de ser atacada ou alvejada pela sociedade e pelas autoridades. Em suas redes sociais Suellen Carey fala sobre empoderamento feminino e machismo. “Perante tudo que passei em minha vida me sinto muito capacitada para falar sobre machismo e empoderamento, além do preconceito que enfrentei, muitas vezes me deparei com machismo em minha vida e eu nunca abaixei a cabeça para ele, é sobre isso que falo com as pessoas que me seguem, sobre não abaixar a cabeça para o preconceito, machismo, porém para isso, você deve estar forte e ser forte, não é tão fácil quanto parece, é difícil, mas não é impossível, para conseguir empoderar pessoas hoje, eu tive que passar por muitas coisas, a maioria delas ruins, meu intuito não é falar de empoderamento por falar e sim falar por muitas das vezes ver pessoas desistindo de seus propósitos ou se entregando para as situações, eu gostaria de ver todas “lá em cima”, eu quero ver todo mundo vencendo e o que eu mais quero mesmo é que ninguém passe pelo que eu passei, minha história é de vitória, mas existem pessoas que não tem força para entrar nessa guerra”, declarou Suellen Carey.
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